domingo, 24 de abril de 2011

Em defesa de Chico Cesar

Jaldes Reis de Meneses

Jaldes Reis é Professor do Departamento de História da UFPB e autor do blog Campo de Ensaio: http://jaldes-campodeensaio.blogspot.com
A Paraíba tem a vocação das ruínas: se compraz no exercício sado-masoquista de tentar demolir as pessoas que tiveram a ousadia de fazer o caminho da aventura, os que tiveram a coragem de enfiar as roupas na mala, os que pegaram o ita do norte rumo ao êxito, vencendo preconceitos e se afirmando na linguagem universal da arte. Alguns morreram sem ter o reconhecimento em vida, como na letra do samba de Nelson Cavaquinho, a exemplo de Augusto dos Anjos. É triste afirmar, mas praticamente todos os nossos grandes artistas foram ou o são discriminados em vida: foi assim como José Lins do Rego, ainda é assim com Ariano Suassuna – só muito recentemente reconciliado com a Paraíba – e Elba Ramalho. Aparentemente, parece que preferimos vê-los de longe, no pedestal, mas os queremos afastados do convívio cotidiano.

Sequer se trata de acatar, integralmente, na polêmica, as eventuais posições estéticas de Chico Cesar. Contudo, é golpe baixo mentiroso afirmar (li artigos que o comparavam a Torquemada) que ele propôs censura a qualquer forma de manifestação artística: simplesmente, ele chamou à reflexão de que o dinheiro público não deveria financiar as chamadas bandas de “forró de plástico”, pois essas já são financiadas pelo mercado e o público adepto lota praças públicas e auditórios privados. No mundo da vida, o mercado não é o único valor, sequer o principal. Trata-se de fazer escolhas, um exercício permanente em qualquer atividade pública, inclusive em cultura: nas festas juninas, o Estado deve privilegiar financiar essas bandas ou os escassos recursos públicos devem financiar artistas e manifestações culturais reconhecidas – inclusive para o sucesso popular da festa –, mas sem valor de mercado.

Para mim, que gosto sem preconceitos beletristas, embora medindo as diferenças, tanto de Bach, Beethoven e Mozart como da pegada rítmica das bandas de axé e das de forró de plástico, faço uma ponderação: rigorosamente, essas bandas são uma contrapartida rústica, regional, de um fenômeno da evolução da música no qual os meios técnicos superam o artesanato individual do artista moderno. Tal fato, despercebido pelos que se acomodam à pura recepção, foi anotado, por exemplo, pelo compositor Gilberto Gil na letra de uma recente canção tão pouco conhecida como o genial samba – “Máquina de ritmo”, na qual a memória eletrônica possui a capacidade de armazenar todos os compassos, todas as células sonoras, rítmicas e melódicas do passado e do presente, inteiramente à disposição dos engenheiros de som e dos empresários. Trata-se, portanto, mais de selecionar do que propriamente criar, ou talvez, de criar através da seleção. Tudo muito bom e barato, a história da criação musical toda ao dispor do merca do, que pode reciclá-la infinitamente, como quiser e quando quiser.

No caso das bandas de forró de plástico, junto à seleção das unidades rítmicas do passado da música nordestina, acoplado a informações do brega e da música caribenha (duas influências evidentes), acompanha também a polêmica dos valores, em virtude das letras em geral serem discriminatórias às mulheres e cultuarem sem dúvida uma concepção machista de mundo. Sem jamais censurar, por outro lado não vejo motivos plausíveis de o Estado se empenhar a difundir valores que mais servem ao aprisionamento do que à liberdade das consciências.

Caso o debate fosse travado de maneira serena, talvez essas questões viessem à luz. Mas em vez do diálogo, procura-se antes enxovalhar reputações: alguns, na Paraíba, têm a vocação das ruínas. 

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